O FIM DA ESCALA 6X1 É VIÁVEL NO BRASIL?

Foto: Kid Junior/SVM
O que é escala 6×1?
A escala de trabalho 6×1 é um regime de jornada de trabalho no qual o empregado trabalha por seis dias consecutivos e tem direito a um dia de folga. Esse tipo de escala é bastante comum em setores que exigem operação contínua, como comércio, indústrias, serviços de saúde e alguns serviços de atendimento ao público.
Essa escala deve respeitar a legislação trabalhista vigente, que no Brasil está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse modelo de jornada está previsto no art. 7º, XIII da Constituição Federal de 1988 nos seguintes termos: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.”
Na prática, em uma escala 6×1, o trabalhador cumpre sua carga horária diária (que varia de acordo com a legislação ou acordo coletivo, mas geralmente é de 8 horas) e, após seis dias de trabalho, recebe um dia de descanso remunerado, que pode ou não coincidir com o domingo.
Qual a mudança proposta?
A proposta original foi criada por Rick Azevedo , criador do movimento Vida Além do Trabalho (VAP) que fez uma petição no Congresso pelo fim da escala 6×1.
Azevedo trabalhava na farmácia em 2023 quando gravou um vídeo que viralizou no TikTok.
O vídeo foi gravado pouco depois de sua chefe ligar para ele em sua folga e pedir que ele entrasse mais cedo no trabalho no dia seguinte.
“Quando é que nós da classe trabalhadora iremos fazer uma revolução nesse país contra essa escala 6×1? Gente, é uma escravidão moderna. Moderna não: ultrapassada”, diz Azevedo no vídeo.
Com base na ideia de Rick Azevedo a deputada federal Erika Hilton apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em 1º de maio deste ano propondo a redução da jornada de trabalho semanal para 36 horas semanais. Hoje a lei diz que a jornada normal de trabalho não deve ser maior que oito horas diárias e 44 horas semanais.
“O momento é o de transformar as garantias conquistadas por determinadas categorias profissionais em direito para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente, requerendo o fim da escala 6×1 e adoção da jornada de 4 dias no Brasil”, diz o texto da PEC, em sua justificativa.
O texto afirma que a redução da jornada de trabalho deve ser implementada sem redução de salário.
Uma redução de oito horas semanais na jornada de trabalho — de 44 horas para 36 horas — implicaria na adoção de uma escala 4×3 para a maioria das empresas.
É possível no Brasil? E quais os impactos?
Especialistas afirmam que a proposta apresentada pela deputada federal Erika Hilton enfrentará enormes dificuldades para aprovação no exato formato do texto original. Assim, caso a PEC seja de fato debatida pelo congresso, haverá uma maior possibilidade de aprovação de uma jornada de 40h semanais, tendo em vista o menor impacto envolvido.
A redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais no Brasil teria impactos significativos tanto para trabalhadores quanto para empregadores, com consequências econômicas, sociais e legais:
- Impactos para os Trabalhadores:
- Melhora na Qualidade de Vida: A redução da jornada pode proporcionar mais tempo livre para os trabalhadores, contribuindo para uma melhor qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, e mais tempo para atividades familiares, educacionais ou de lazer.
- Menos Cansaço e Estresse: È importante destacar que a expectativa de vida dos brasileiros tem aumentado gradualmente nas últimas décadas, e este aumento traz implicações importantes para o mercado de trabalho e, em especial, reforça a necessidade de equilíbrio adequado entre trabalho e descanso. Logo, menos horas de trabalho por semana podem reduzir o cansaço e o estresse, melhorando a saúde mental e física dos empregados proporcionando um ambiente de trabalho mais justo e adaptado à nova realidade da sociedade brasileira.
- Possível Impacto nos Salários: Dependendo de como a medida é implementada, pode haver impacto na remuneração. Se as horas forem reduzidas sem a garantia de manutenção do salário, os trabalhadores podem enfrentar uma diminuição na renda. No entanto, se a redução for acompanhada de salários mantidos, o trabalhador se beneficiaria diretamente.
- Aumento na Empregabilidade: Em um cenário onde as empresas precisam manter o mesmo nível de produção com uma jornada reduzida, pode ser necessário contratar mais funcionários, o que potencialmente poderia reduzir a taxa de desemprego.
- Impactos para os Empregadores:
- Aumento de Custos Operacionais: Para manter a produtividade com uma jornada reduzida, as empresas podem ter que contratar mais funcionários ou pagar mais horas extras, o que pode aumentar os custos de operação.
- Reorganização do Trabalho: As empresas precisariam adaptar suas operações e cronogramas para acomodar a nova jornada. Isso pode significar uma reestruturação de turnos, ajustes em contratos de trabalho e possível revisão de estratégias operacionais.
- Produtividade e Eficiência: Dependendo do setor, a produtividade pode ser afetada se as horas de trabalho forem reduzidas sem melhorias compensatórias nos processos ou tecnologia. No entanto, em alguns casos, uma carga horária menor pode levar a um aumento na produtividade individual, com trabalhadores mais descansados e concentrados.
- Impactos Econômicos Gerais:
- Impacto no Mercado de Trabalho: A redução da jornada pode estimular a criação de novos empregos, pois as empresas podem precisar de mais trabalhadores para preencher as lacunas deixadas pela jornada menor.
- Custos para Pequenas e Médias Empresas (PMEs): as PMEs podem ser particularmente impactadas devido aos custos adicionais para manter a força de trabalho e a produção no mesmo nível. Isso pode levar a ajustes em preços, redução de margens de lucro ou, em alguns casos, demissões.
- Competitividade Internacional: O impacto pode variar em termos de competitividade internacional, especialmente em setores que competem globalmente. Se os custos de produção aumentarem significativamente, algumas empresas podem perder competitividade em comparação com empresas de países com jornadas de trabalho mais longas ou custos trabalhistas mais baixos.
- Impactos na Sociedade:
- Bem-Estar Social: Com mais tempo para atividades pessoais, é possível que a população experimente uma melhoria geral no bem-estar social. Isso pode se refletir em menores taxas de doenças relacionadas ao estresse, maior participação em atividades comunitárias e culturais e uma população mais engajada socialmente.
- Educação e Desenvolvimento Pessoal: Trabalhadores com mais tempo livre podem buscar mais oportunidades de educação e desenvolvimento pessoal, o que, a longo prazo, pode levar a uma força de trabalho mais qualificada.
- Impactos na Legislação Trabalhista:
- Adaptações Legais: A legislação trabalhista precisaria ser adaptada para refletir a nova jornada de 36 horas semanais. Isso incluiria ajustes em como são calculadas as horas extras, adicional noturno, descanso semanal remunerado e outros direitos trabalhistas.
- Negociações Sindicais: A redução da jornada pode levar a intensas negociações entre sindicatos, empregadores e o governo para garantir que os direitos dos trabalhadores sejam mantidos sem impactos desproporcionais para os empregadores.
Jornadas reduzidas já implementadas no Brasil
No Brasil, além dos bancários, existem outras categorias e setores que têm jornadas de trabalho diferenciadas, geralmente inferiores às 44 horas semanais previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a maioria dos trabalhadores. Algumas dessas categorias têm jornadas regulamentadas por leis específicas ou por acordos e convenções coletivas.
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Bancários:
Jornada de 30 ou 40 horas: Os bancários que trabalham em funções de atendimento ao público ou atividades operacionais têm uma jornada de 30 horas semanais. Já os cargos de confiança ou gerenciais podem ter jornadas de 40 horas semanais.
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Jornalistas:
Jornada de 25 horas semanais: De acordo com a legislação específica, os jornalistas têm uma carga horária reduzida devido à natureza estressante e intensa de seu trabalho. Essa jornada pode variar dependendo das convenções coletivas e do meio de atuação (impresso, TV, rádio, etc.).
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Professores:
Carga horária variável: A jornada de trabalho dos professores varia de acordo com o nível de ensino (fundamental, médio ou superior) e a legislação estadual ou municipal aplicável. No ensino fundamental e médio, a jornada costuma ser menor que 40 horas semanais e pode incluir horas-atividade (tempo dedicado a planejamento e correção de provas).
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Profissionais de Saúde:
Médicos e Enfermeiros: Dependendo das normas locais e dos acordos coletivos, profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, podem ter jornadas de 30 a 40 horas semanais, principalmente em hospitais públicos e setores onde há uma regulamentação que visa a segurança e o bem-estar dos trabalhadores e pacientes.
Outros Profissionais da Saúde: Fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, por exemplo, têm uma jornada máxima regulamentada por lei de 30 horas semanais.
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Setor Público:
Servidores Públicos: Muitos cargos no serviço público, em esferas municipais, estaduais e federais, têm jornadas regulamentadas de até 40 horas semanais, e em alguns casos, menos. A carga horária pode variar dependendo do cargo e da legislação específica.
Modelos internacionais
A redução da jornada de trabalho tem sido uma tendência observada em várias partes do mundo, impulsionada por avanços tecnológicos, mudanças culturais e maior ênfase na qualidade de vida e no bem-estar dos trabalhadores.
- França: A França é um dos países pioneiros na redução da jornada de trabalho. Em 2000, o país implementou a jornada de 35 horas semanais para aumentar o emprego e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Embora tenha havido debates sobre os efeitos econômicos dessa medida, a jornada de 35 horas continua sendo um marco nas discussões sobre produtividade e bem-estar.
- Alemanha: A Alemanha é conhecida por suas jornadas de trabalho mais curtas, com uma média de cerca de 34 a 36 horas semanais em muitos setores. A prática de “Kurzarbeit” (trabalho reduzido) permite que as empresas reduzam as horas de trabalho durante crises econômicas, com o governo compensando parte da perda salarial, ajudando a manter o emprego.
- Países Nórdicos: Países como Suécia e Noruega têm experimentado jornadas de trabalho mais curtas para equilibrar vida pessoal e profissional. Na Suécia, houve experimentos com uma jornada de 6 horas por dia que mostraram melhorias em produtividade e bem-estar dos trabalhadores, apesar do aumento inicial nos custos.
- Islândia: Entre 2015 e 2019, a Islândia conduziu um experimento em larga escala reduzindo a jornada de trabalho para 35-36 horas semanais sem reduzir salários. Os resultados foram positivos, mostrando que a produtividade permaneceu igual ou aumentou em muitos casos, e os trabalhadores relataram menor estresse e maior satisfação.
- Japão: Em um país conhecido por uma cultura de trabalho intensa, algumas empresas têm adotado iniciativas para reduzir a jornada de trabalho. A Microsoft Japão, por exemplo, implementou uma semana de quatro dias em 2019 como teste, o que resultou em um aumento de 40% na produtividade.
- Nova Zelândia: Algumas empresas neozelandesas têm adotado semanas de trabalho de quatro dias, com resultados positivos em termos de produtividade e satisfação dos funcionários. O movimento ganhou força após relatos de que as empresas que experimentaram essa abordagem observaram aumentos de produtividade e bem-estar.
Conclusão:
A redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais no Brasil teria um impacto complexo, com potenciais benefícios significativos para a qualidade de vida dos trabalhadores e a criação de empregos, mas também desafios em termos de aumento de custos para as empresas e adaptação do mercado.((colocar a importância da participação ativa do governo)) O sucesso de uma mudança assim dependeria de uma implementação cuidadosa, negociações justas e suporte tanto do setor privado quanto do governo para mitigar possíveis impactos econômicos negativos. É importante destacar que em última instância é a economia que deve servir a qualidade de vida e não o contrário.
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